60 anos depois de seu primeiro lançamento, o quarteto inglês lança sua última faixa com participação de todos os seus membros.

Não há quem não conheça os Beatles. O quarteto de Liverpool teve uma carreira meteórica e são considerados por muitos um dos grupos (se não o) mais influente de toda a música popular. A banda formada em 1960 chegou ao seu fim em 1970 depois de divergências internas, e, com a morte do vocalista John Lennon, em 1980, qualquer esperança de uma verdadeira reunião caiu por terra… Ao menos era isso que se acreditava até 1994, quando Paul McCartney, George Harrison e Ringo Starr se reuniram uma última vez.

Entre 1975 e 1980, John Lennon produziu uma série de demos (esboços de canções, geralmente gravadas de forma caseira) no piano de sua casa, em Nova York, que acabaram nunca sendo lançadas oficialmente pelo artista. Na virada do ano de 1994, Paul McCartney entrou em contato com a viúva de John, Yoko Ono, pedindo acesso a essas fitas, com a ideia de trabalhar nelas junto aos seus ex-colegas, que toparam imediatamente. Os Beatles remanescentes então se reuniram no estúdio de Paul sob batuta de Jeff Lynne, que foi líder da Electric Light Orchestra, para completar esses esboços deixados por Lennon (George Martin, produtor de todos os discos da banda nos anos 1960, recusou o convite devido a problemas de audição).

4 fitas (com a anotação “para Paul” com a letra de Lennon) foram entregues por Yoko à banda, “Free As A Bird”, “Real Love”, “Grow Old With Me” e “Now And Then”. As duas primeiras foram lançadas nos anos seguintes, nas compilações Anthology 1 e 2. A terceira foi recusada pela banda por ser “sentimental demais” (a canção havia sido lançada no disco póstumo de Lennon Milk and Honey, de 1984, e também foi gravada por Ringo Starr em seu disco What’s My Name, com participação de Paul, em 2019). A quarta acabou sendo abandonada pela banda devido à baixa qualidade da gravação. Mas isso mudou em 2023.

Essa fita original de Lennon possuía alguns problemas. O primeiro era que o vocal e o piano estavam juntos no áudio (a prática comum na música popular é que cada elemento da música seja captado individualmente para facilitar possíveis edições e perfeccionar a mixagem). Segundo, o piano foi gravado em baixa fidelidade e havia um ruído que ressoava durante toda a performance do músico. A banda chegou a gravar partes da música mesmo com as adversidades, porém George ficou frustrado e insatisfeito com o resultado final. Devido à regra interna da banda em que toda grande decisão deveria ser unânime, o grupo acabou abortando o lançamento da faixa, ao menos num futuro próximo.

Décadas depois entra em cena Peter Jackson, cineasta neozelandês conhecido pelo seu trabalho na trilogia Senhor dos Anéis, nos anos 2000, e pela direção do documentário The Beatles: Get Back, de 2021. Uma de suas empresas, a WingNut Films, havia feito um milagre utilizando inteligência artificial no restauro do áudio desse documentário, conseguindo separar numa qualidade excelente os diálogos da banda dos seus instrumentos, já que devido às limitações da tecnologia da época tudo foi gravado simultaneamente. Foi a ele que Paul McCartney recorreu para recuperar essa demo.

The Beatles - Now And Then (Official Music Video)

Numa entrevista à BBC em junho deste ano, Paul McCartney casualmente mencionou que a IA havia possibilitado uma última gravação dos Beatles. Num primeiro momento, houve uma dose de pânico entre os fãs. Muitas pessoas que ainda não compreendiam o trabalho de Jackson acreditavam que a IA havia sido utilizada para recriar a voz de Lennon numa música (assim como fizeram no Brasil para uma certa propaganda de carro), mas, na verdade, a IA foi utilizada exclusivamente para eliminar esse ruído e separar a voz de Lennon do seu piano.

“Now And Then” nasceu então em 2023, quando Paul e Ringo refizeram suas partes gravadas em 1994. Também adicionaram backing vocals, um arranjo de cordas escrito por Giles Martin (filho de George Martin), além de um novo piano inspirado no original, um solo de guitarra e uma linha de guitarra slide inspirada em George Harrison, todos tocados por Paul. As partes originais gravadas por George também aparecem na gravação, junto com trechos dos backings das canções “Here There and Everywhere”, “Eleanor Rigby” e “Because”. O resultado é uma balada psicodélica tocante e sensível, que promete emocionar todos os fãs (e não-fãs) dos Fab Four.

Fonte: João Gabriel /Bananas